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Provavelmente é Exagero

Foto do escritor: Ivy GobetiIvy Gobeti

Atualizado: 26 de jul. de 2021


Pode parecer exagero, e provavelmente é exagero, mas sou eu assim, sempre fui exagerada. Não importa o quanto tudo possa parecer óbvio e explicado, quando se olha pro lado das outras pessoas, não consigo deixar jamais de me ver e me remexer e me desvendar e descobrir que a culpa é minha, a culpa é minha na parte que me cabe. Hoje eu descobri que me tornei cínica, cínica como todos os cínicos que critico; não, mais cínica que eles. Talvez eu possa parecer não ter esse cinismo específico do qual falo aqui, pra muitos, mas eu sei, só eu sei que ele é enorme, o maior de todos os cinismos. Muitas das pessoas que eu sempre critiquei por serem cínicas o são por nunca terem conhecido outra coisa e, geralmente, quando se deparam com algo novo que pode colocar seu cinismo abaixo, acabam por se entregar, sem ilusões, às coisas mais mágicas, isso é frequente, é o normal. Mas eu fiz o caminho contrário. Eu nasci e cresci sonhando, alimentando sonhos, vendo mágica em absolutamente tudo, eu nunca ignorei a realidade, mas, meu Deus, como eu tinha a capacidade de transformar tudo em pura mágica dentro de mim, e como eu acreditava em tudo o que eu sentia, era inabalável a graça das coisas, por anos e anos eu fui assim, eu era a graça das coisas, de tanto que eu acreditava nela. Eu respirava o mundo e não me contaminava, a beleza estava lá e não era nenhum mistério pra mim. Não se enganem, eu sempre sofri, pensei demais, sempre fui neurótica e analítica, mas eu fazia tudo isso sonhando. Eu poderia escrever um tratado sobre todas as coisas que me fizeram chegar a esse cinismo atual, mas não vale mais a pena, elas foram importantes e conseguiram muita coisa, mas a verdade é que elas conseguiram voltar pra baixo, porque tudo o que vejo agora são as minhas formas de sonhar, não as coisas antigas, mas as coisas minhas, que não tiveram tempo e permanecem intocadas; eu coloquei um monte de coisas em cima delas, mas elas nunca saíram do lugar. Eu andei e andei muito, eu fui pra muito longe delas, foi pro lado oposto, eu dei a volta em mim e cheguei aqui outra vez, tendo que aprender como faz pra andar com os pés machucados e ensanguentados num tapete de flores tão bonitas, eu me manchei e alterei a paisagem. E eu acreditava no amor, eu acreditava ridiculamente no amor, e me lancei em muita coisa por isso, eu vivi muitas histórias, e fui saindo de cada uma delas cada vez mais cínica. Sempre enchi a boca pra falar sobre todos os riscos e loucuras que valiam a pena em nome de sentir o que se sente quando há amor, pra sempre, sempre falei em insistir, persistir, gritar, ir ao inferno e voltar por amor...eu falei tanto que perdi completamente a noção do que eu achava que era mesmo amar. Em dias nublados e de chuva como os de hoje, o efeito do sol fica mais claro, e eu olhei pra minha blusa vermelha, com um sol dourado desenhado e me lembrei que minha cor preferida é o amarelo, e que eu deixei de criar, eu deixei de emprestar vida às minhas coisas, eu deixei de fazer o que sempre foi meu: sonhar. Nem à noite, sozinha no quarto, antes de dormir, nem ali eu sonho, não pode, não pode mais sonhar nem ali. E o amor do qual eu falei a vida toda, eu encontrei. Mas eu já tinha andado pra tão longe do que ele era dentro de mim que acabei por me esquecer do faria quando o encontrasse. E tudo isso na verdade é só pra dizer isso, é só pra falar da minha covardia. Não importam todas as outras coisas, as que não são minhas, as circunstâncias, as coisas que circundaram esse amor, as coisas fora dele não importam aqui, o que importa são as coisas dentro dele, as coisas minhas sobre ele. Eu não lutei por ele, eu o deixei sair pela porta e não disse uma palavra, eu sabia que aquilo era amor, mas eu não sabia mais o que era o amor. Mas ele gritou meu nome pra que eu acordasse novamente, e eu estava adormecida há tanto tempo e tão longe de casa que venho acordando todos os dias um pouco há quase um ano. E hoje eu sei que eu deveria ter sido ridícula...eu precisava ter sido ridícula, a minha especialidade, tudo o que eu sabia melhor fazer, o amor na minha frente e eu não fui ridícula; se eu tivesse me mantido fiel a mim por todos esse anos, teria compensado ser ridícula e acreditar naquela mágica, se eu não tivesse buscado tantas explicações exatas, teria percebido na hora que a realidade pura estava provando a minha mágica. Talvez eu tenha acreditado tanto um dia que meus sonhos fizeram sua extensão por aí e um dia chegaram até mim, mas eu não soube esperar, eu não acreditei o suficiente, não o suficiente pra seguir acreditando. Eu me lembro da época mais mágica da minha vida, havia coisas dos Beatles pra todo lado, eram os álbuns remasterizados sendo lançados, músicas inéditas, vídeo clipes e documentários o tempo todo nas bancas e na televisão, e hoje me dei conta que de repente tem o filme do John, e o show do Paul e o documentário do George, e eu ouvi as mesmas músicas esses anos todos e parece que por muitos deles elas morreram, foram só barulho, e hoje eu as ouvi outra vez com os ouvidos de mágica e senti: eu deveria ter falado do amor, ter sido louca, eu deveria ter segurado a mão dele todas as vezes que eu o vi na vida, deveria ter dito que o amava todos os dias, na frente de todo mundo, até que ele não tivesse mais escolha, e deveria ter sorrido pra ele da forma que queria sorrir toda vez que o via chegar. E todos os versos simples das músicas preferidas contam que só as músicas alegres me levam até ele, e que ele é o que eu vejo cada vez que eu chego mais perto de mim.


 

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